Peri-implantite: limites terapêuticos e possibilidades clínicas

Matéria da semana Márcio Casati e Letícia Sandoli

Peri-implantite: limites terapêuticos e possibilidades clínicas

Por Márcio Casati e Letícia Sandoli Arroteia

Introdução

Paciente V.S.P.F., 54 anos, sexo feminino, procurou atendimento na Faculdade de Odontologia de Piracicaba e relatou durante a anamnese não ter passado por tratamento periodontal anterior, e que não tinha queixa de sangramento ou coceira, dor, mal hálito, nem gosto desagradável na boca. Não sentia dentes abalados, nem dores no rosto pela manhã ou sentia toque prematuro. Relatou ter espaços nos dentes que antes não existiam, porém sem a migração de nenhum. Fazia a escovação dos dentes três vezes ao dia com escova macia e fio dental uma vez ao dia.

Durante exame clínico foi observada migração apical da margem gengival nos dentes 11 e 12 e acúmulo de biofilme na região. Radiograficamente notou-se que o dente 11 era um implante com perda óssea de aproximadamente metade do comprimento.

Figura 1 – Imagens iniciais da paciente, sendo aspecto clínico em A e aspecto radiográfico em B.

Após realização do periograma, paciente tinha 27% de sangramento a sondagem e 30% de índice de placa. Na região do implante 11 apresentou profundidade de sondagem igual a 6mm e recessão gengival de 4mm. E suspeita de reabsorção do dente 21. A paciente foi diagnosticada com doença periodontal crônica (P4) e peri-implantite.

A peri-implantite está presente em aproximadamente 22% dos implantes (Berglundh et al., 2018). O biofilme bacteriano é o principal agente etiológico, mas fatores como históricos de periodontite, higiene inadequada, ausência de manutenção e características protéticas elevam o risco (Schwarz et al., 2018; Sanz et al., 2020). Além disso, a composição do biofilme peri-implantar difere dos dentes naturais e é influenciada pelo tipo de conexão, desenho e material do pilar (Kumar, 2019; Alarcón-Sánchez et al., 2023). Compreender a interação entre fatores protéticos, microbiológicos e imunológicos é essencial para prevenir a perda dos tecidos peri-implantares.

A adesão do paciente ao plano de tratamento é fundamental para o sucesso da terapia implantossuportada, especialmente na prevenção das doenças peri-implantares. Pacientes com baixa adesão às manutenções apresentam maior risco de inflamação e perda óssea (Costa et al., 2012; Roccuzzo et al., 2010). A manutenção regular permite monitoramento clínico e radiográfico, remoção do biofilme e reforço da higiene oral. O engajamento do paciente, com compreensão da importância do cuidado contínuo, é vital para a estabilidade dos tecidos peri-implantares e o sucesso a longo prazo do tratamento.

Portanto, o tratamento proposto foi terapia inicial, instruções de higiene bucal com escova dental macia comum, fio dental, escova interdental, escova unitufo e remoção do cálculo e placa supragengival. Em seguida, foi feita a terapia básica com instrumentação subgengival e descontaminação não cirúrgica com iodo povidine das superfícies do dente e do implante. Estudos clínicos também têm demonstrado resultados favoráveis através da associação do PVP-I ao tratamento da doença periodontal crônica na atividade bactericida (Rosling et al., 1986; Christersson et al., 1988; Collins et al., 1993; Rosling et al., 2001; Hoang et al., 2003), quando utilizado como irrigante subgengival (Wolff et al., 1989; Leonhardt et al., 2006; Leonhardt et al., 2007). A terapia não cirúrgica é eficaz na redução da inflamação e do sangramento, mas apresenta limitações quanto à regeneração tecidual. A literatura recomenda sua aplicação como etapa inicial, preparando o tecido para uma intervenção cirúrgica com menor inflamação e sangramento (Renvert et al., 2019).

Figura 2 – Aspecto clínico dos dentes 11 e 12. Em A, descontaminação não cirúrgica através da raspagem e alisamento radicular (RAR); em B, após a RAR; em C, esfregaço de iodo com microbrush; em D, irrigação com iodo (5 minutos); em E e F, imediatamente após descontaminação.

Após reavaliação da terapia básica, constatou-se necessidade de terapia cirúrgica envolvendo a extração do dente 21 e confecção de provisório, descontaminação do defeito e preenchimento com biomaterial.

Figura 3 – Em A, terapia cirúrgica; em B, exodontia do 21; em C, abertura do retalho; em D, descontaminação do defeito; em E, preenchimento com enxerto ósseo xenógeno; em F, membrana colágena; em G e H, aspecto clínico final; em I, aspecto radiográfico final.

Também foi proposto o tracionamento do elemento 12 com o uso de aparelho ortodôntico para posterior exodontia, a fim de trazer coronalmente todo o conjunto periodontal. O tracionamento ortodôntico— incluindo dente, osso e tecidos moles — é uma técnica eficaz para preservação óssea em dentes com indicação futura de exodontia (Passanezi et al.2019). Assim, o tracionamento coronal é uma alternativa conservadora e previsível para otimizar a futura arquitetura peri-implantar.

Figura 4 – Aparelho ortodôntico autoligado.
Figura 5 – Em A, terapia cirúrgica; em B, exodontia do 12; em C, vista frontal após extração; em D e E, abertura do retalho; em F, preenchimento com enxerto ósseo xenógeno + membrana colágena; em G, aspecto clínico final após dez dias.
Figura 6 – Implantes Cônicos HI Implacil Osstem e posterior reabilitação: em A e B, aspecto radiográfico; em C, vista palatina; em D, sorriso inicial; em E, sorriso final.

Após reavaliação, foi planejada a explantação do elemento 11 e exodontia do 12 e, após seis meses, planejado colocação de implante Cônico HI Implacil Osstem de 3,5x11mm e reabilitação. A paciente não aceitou passar por cirurgia para aumento da espessura e altura de tecido queratinizado, o que poderia melhorar a estética e favorecer a higienização. No entanto, a autonomia do paciente deve ser respeitada e as limitações devem ser explicadas. Nestes casos, o acompanhamento clínico personalizado e manutenções devem ser feitas regularmente para saúde e longevidade do sucesso da terapia de implantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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