O planejamento sistemático associado aos princípios clínicos e biológicos da cirurgia plástica periodontal são aspectos importantes para o sucesso terapêutico e para a previsibilidade de resultado no longo prazo. Não menos importante, a manipulação delicada do tecido, a utilização de um micro instrumental adequado e as técnicas e os materiais de sutura minimamente traumáticos são requisitos fundamentais para o fechamento primário da ferida e a promoção de uma cicatrização por primeira intenção.
A seleção correta do material e da técnica de sutura possibilita a aproximação dos bordos da ferida, minimiza a contração pós-operatória do tecido e restabelece da função da área operada, potencializando os resultados estéticos.
Nas cirurgias plásticas periodontais que envolvem enxertos de tecido mole, as áreas doadoras dos enxertos de tecido conjuntivo – normalmente o palato duro –necessitam de um fechamento adequado para estabilidade do coágulo sanguíneo e hemostasia, tanto no pós-operatório imediato quanto nos primeiros dias de cicatrização. O fechamento incorreto das áreas doadoras pode gerar sangramentos contínuos e abundantes durante a cirurgia e nos primeiros dias do processo de reparo.
A utilização da técnica e do material de sutura corretos para a área doadora proporciona um menor traumatismo tecidual, o fechamento adequado da ferida cirúrgica, menor sangramento – inicial e tardio – e proporciona uma cicatrização mais rápida. Ao mesmo tempo, evita o acúmulo de bactérias que podem prejudicar a cicatrização ou até mesmo gerar abcessos no sítio doador.
Falhas nas suturas podem levar a uma cicatrização por segunda intenção devido à necrose do retalho palatino, possível exposição óssea e, consequentemente, maior dor e morbidade pós-operatória do paciente (Figura 1). Outro aspecto importante a ser considerado em relação à área doadora está relacionado a repetidas remoções de enxertos na mesmo sítio doador. A cicatrização incorreta do palato pode acarretar em uma menor espessura de tecido conjuntivo doador e uma qualidade inferior de colágeno.
Figura 1 – Pós-operatório de sete dias da área cirúrgica doadora do enxerto de tecido conjuntivo, demonstrando uma cicatrização por segunda intenção. Observar exposição óssea devido à necrose do retalho de cobertura. O fechamento incorreto do sítio doador pode gerar maior tempo no período de cicatrização, dor e desconforto por parte do paciente. A remoção do enxerto foi realizada pela técnica de incisão única e o retalho palatino foi suturado com fio de Nylon 5-0 e suturas simples.
Da mesma forma, os tipos de agulha também ganham um espaço importante na realização de uma boa técnica de sutura. Agulhas mais delicadas, cortes precisos e curvaturas adequadas proporcionam menor trauma aos tecidos envolvidos minimizando reações teciduais inflamatórias que podem resultar em halos de necrose e consequentemente falhas de sutura.
Este relato de caso clínico tem o intuito de descrever a importância da seleção correta do material de sutura para o fechamento do retalho palatino doador e para potencializar a cicatrização da ferida cirúrgica após a remoção do enxerto de tecido conjuntivo subepitelial (ETCS) nos casos de tratamento de recessões gengivais múltiplas.
Paciente do sexo feminino, não-fumante, 39 anos de idade, sistemicamente saudável, apresentou-se com queixa principal relacionada à estética dos dentes anteriores (Figura 2), já que não estava satisfeita com seu sorriso.
Figura 2 – Situação clínica inicial demonstra a estética da margem gengival alterada devido à presença de recessões gengivais múltiplas. Observar a falta de harmonia em relação aos dentes anteriores e arquitetura gengival.
Foram observadas recessões gengivais múltiplas (RG) de 1mm em altura nos dentes 12 e 22, de 2 mm no dente 13 e 3 mm no dente 23. Além disso, um biotipo periodontal fino também foi observado.
Gerenciamento do Caso
A técnica eleita para o recobrimento radicular foi o retalho avançado coronário modificado (Zucchelli & De Sanctis, 2000), em associação com o ETCS removido do palato (região do canino, pré-molares e molar) pela técnica do bisturi de lâmina dupla (1mm de distância entre as lâminas) descrita por Harris, 1997 (Figura 3A).
Figura 3 – A. Aspecto inicial do palato. Área doadora eleita para a remoção do ETCS. B. Após a remoção do ETCS pela técnica de bisturi de lâmina dupla descrita por Harris 1997. Na sequência,
depois de remover o enxerto para o fechamento da ferida, foi utilizado o fio de PTFE denso (Cytoplast – Osteogenics Biomedical) 4-0 com agulha de 13mm de comprimento, ½ de curvatura com o corte triangular reverso. C. Pós-operatório de sete dias. Imagem realizada antes da remoção do fio de sutura. Observar a ausência de acúmulo excessivo de biofilme bacteriano ao redor do fio de sutura. D. Pós-operatório de sete dias. Imagem realizada após a remoção do fio de sutura. Observar epitelização completa da ferida com pouca reação inflamatória tecidual proveniente do traumatismo do material de sutura e/ou do acúmulo do biofilme bacteriano. E. Pós-operatório de 14 dias após o procedimento cirúrgico. F. Pós-operatório de 30 dias após o procedimento cirúrgico. Observar o fechamento completo da ferida e ausência de reação inflamatória ou infecção no sítio doador.
Para o recobrimento radicular dos dentes envolvidos, um ETCS com maior extensão foi removido da região palatina do canino até o primeiro molar. Após a remoção do enxerto, foi necessário o fechamento primário devido a extensão da ferida cirúrgica palatina e o sangramento constante.
Seleção do Material para a sutura da ferida na região doadora palatina
Para a realização da sutura na área doadora do palato, foi utilizado um fio de PTFE denso (Cytoplast – Osteogenics Biomedical) com o intuito de manter a coaptação dos tecidos sem perder resiliência do material, manutenção do coágulo sanguíneo e para minimizar o acúmulo de biofilme bacteriano. A técnica contínua foi eleita para a sutura da ferida. (Figuras 3B, 3C e 4).
O PTFE denso é um fio monofilamentar não absorvível que apresenta bons resultados em cirurgia plástica periodontal, tanto para a área doadora como para a área receptora. Este fio permite uma baixa adsorção bacteriana, característica importante já que minimiza o risco de processos inflamatórios intensos e infecções bacterianas. Outros benefícios são a flexibilidade e elasticidade do material, propriedades que permitem maior conforto ao paciente e mínimo risco de ruptura tecidual após o edema, frequentemente encontrado após as cirurgias plásticas periodontais. Possui elevada resistência à tração e pouca ou nenhuma memória. Por ser um fio de sutura inerte, pode permanecer no sítio cirúrgico por um período prolongado, nos casos onde a permanência do fio é importante no pós-operatório, devido à sua biocompatibilidade com os tecidos e baixo acúmulo de placa (Figura 3C).
Não menos importante que as características do fio de sutura são as características das agulhas utilizadas para as cirurgias plásticas periodontais. As agulhas cirúrgicas têm que ser resistentes para penetrar em diferentes tecidos. Mas, ao mesmo tempo, devem ser flexíveis para deformar sem partir ao meio, nos casos onde devemos ancorar nossas suturas em periósteo ou após as passagens da agulha nas ameias interdentais. Em ambas as situações, a agulha tende a “raspar” os tecidos duros (osso e dente). Desta forma, se ela não possui flexibilidade, pode quebrar no interior
dos tecidos ou deformar em áreas de difícil remoção. Elas apresentam características anticorrosivas, a fim de evitar inoculação de corpos estranhos e microrganismos nas feridas. Quando indicada corretamente, a agulha minimiza o trauma tecidual evitando a dilaceração do tecido.
No caso descrito acima, para a sutura da área doadora no palato, optou-se por agulhas 1/2 de círculo, 13 mm de comprimento e com o corte triangular reverso para a área doadora do palato (Figura 5A e B). Na região palatina, este formato permite que a distância entrada da agulha seja a mesma da saída da agulha. As agulhas com o formato 3/8 de círculo tendem a sair no interior do sulco gengival e pode causar traumatismo e posterior recessão gengival na região do dente doador. Outro aspecto é a permanência do fio de sutura no interior do sulco gengival. Fios de
sutura com grande capilaridade – normalmente os multifilamentares – podem servir de reservatório bacteriano e causar um possível inflamação gengival no pós-operatório.
Figura 5A e B – Sutura realizada na região doadora do palato. Observar a seleção da agulha: 1/2 de círculo, 13 mm de comprimento e corte triangular reverso. Esse formato permite que a distância entrada da agulha seja a mesma da saída da agulha.
Para a região receptora, a agulha de 3/8 de círculo, 13mm de comprimento e com o corte triangular reverso é uma excelente opção devido à necessidade de ancoragem do retalho ao redor dos dentes (suturas em suspensória). Para essa finalidade, as agulhas passam no sentido vestíbulo-palatino, abaixo do ponto de contato, entre as ameias interdentais. Nessas regiões de difícil acesso, tanto em áreas anteriores como em áreas posteriores, a agulha 3/8 de 13 mm de comprimento possui uma boa performance (Figura 6).
Figura 6 – Passagem da agulha na região interproximal, abaixo do ponto de contato. Agulhas 3/8 de círculo e de 13 mm de comprimento possuem uma boa performance nestas áreas.
As agulhas de curvatura 3/8 apresentam bons resultados em cirurgias plásticas periodontais (agulhas com comprimento entre 13 e 16 mm) e são excelentes para a aproximação dos bordos da ferida. Agulhas menores (entre 10 e 7 mm) apresentam bons resultados em microcirurgias plásticas periodontais e são excelentes para a coaptação “bordo a bordo” da ferida e promoção de cicatrização por primeira intenção.
Em relação ao formato de secção da agulha, as de secção cilíndrica ou triangular de corte reverso são as que frequentemente são utilizadas pois evitam maior inflamação e/ou dilaceração tecidual nos casos de microcirurgias plásticas periodontais. Dentre as vantagens das agulhas com o corte triangular invertido podemos citar o menor risco de dilaceração do retalho e facilidade de manuseio. Dentre as vantagens das agulhas cilíndricas, podemos citar o menor trauma tecidual e maior facilidade de penetração nos tecidos. Por outro lado, quando utilizadas de forma errada, dobram com facilidade, perdem o corte da ponta e podem ser traumáticas aos tecidos.
A figura 7 ilustra o pós-operatório de 12 meses após a cirurgia plástica periodontal para o recobrimento radicular. Podemos observar o recobrimento radicular completo das recessões gengivais, a devolução da homeostasia do periodonto e um resultado estético de excelência.
Figura 7 – Aspecto clínico 12 meses após a cirurgia de recobrimento radicular. Observar o recobrimento radicular completo das recessões gengivais dos dentes 13, 12, 22 e 23, devolução do
selamento marginal do tecido gengival e um resultado estético de excelência.
Da mesma forma, as figuras 3C, D, E e F descrevem o processo de cicatrização da ferida cirúrgica palatina (área doadora). Podemos observar na figura 3C o pós-operatório de sete dias ainda com a presença do fio de sutura de PTFE denso.
Podemos observar, neste período, a ausência de grande quantidade de biofilme bacteriano ao redor do fio. Este aspecto tem um impacto clínico importante, uma vez que minimiza o risco de infecções e da formação de abcessos. Podemos notar também que o material de sutura neste período não perdeu a sua função primária de estabilização dos bordos da ferida indicando que não houve a perda da função do material. A figura 3D demonstra o pós-operatório de sete dias após a remoção do material de sutura. A figura 3E e F demonstram o pós-operatório de 14 e 30 dias
respectivamente. Observar a epitelização completa da ferida com ausência de processo infeccioso e abcessos.
A excelência das cirurgias plásticas periodontias está relacionada ao fechamento primário da ferida cirúrgica, tanto da área doadora quanto da área receptora, que proporciona uma cicatrização por primeira intenção com o mínimo risco de infecções e formação de abcessos no pós-operatório. Portanto, a seleção correta do material de sutura é fundamental para o sucesso dos procedimentos cirúrgicos plásticos periodontais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Adams B, Levy R, Rademaker AE, Goldberg LH, Alam M. Frequency of use of suturing and repair techniques preferred by dermatologic surgeons. Dermatol Surg 2006;32:682-689.
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5. Hennessey DB, Carey E, Simms CK, Hanly A, Winter DC. Torsion of monofilament and polyfilament sutures under tension decreases suture strength and increases risk of suture fracture. J Mech Behav Biomed Mater. 2012;12:168-73.
Rodrigo Nahas
Especialista (USP-Bauru), mestre e doutor em Periodontia (FOUSP). Visiting Scholar do Departamento de Periodontia da Dental College of Georgia, GA, USA e do Departamento de Periodontia da UNC School of Dentistry, NC, USA. Ele é Coordenador do Treinamento Avançado em Cirurgia Plástica Periodontal e Perimplantar (CEAO-SP) e Coordenador do Curso de Especialização em Periodontia do Centro Universitário SENAC.
Contato: rodrigocnahas@yahoo.com.br
Facebook: /rodrigonahas
Instagram: Dr. Rodrigo Nahas
Kathy Fernanda da Silva
Especialista em Periodontia do Centro Universitário SENAC.
Valéria Gondim
Mestre e Doutora em Periodontia FOUSP. Ela é Coordenadora do Treinamento Avançado em Cirurgia Plástica Periodontal e Perimplantar (CEAO-SP) e Profa. do Curso de Especialização em Periodontia do Centro Universitário SENAC.