Revisitando os conceitos de biomecânica aplicados aos implantes e próteses sobre implantes: por que um parafuso de fixação solta, afrouxa, fratura ou espana?

Matéria da semana - Ricardo Zavanelli

Revisitando os conceitos de biomecânica aplicados aos implantes e próteses sobre implantes: por que um parafuso de fixação solta, afrouxa, fratura ou espana?

Por Ricardo Zavanelli

Introdução

Uma intercorrência comum de acontecer em nossa clínica diária é o afrouxamento de peças protéticas sobre os implantes ou sobre nossos pilares. Assim, a proposta deste artigo é abordar os principais motivos que podem levar à soltura das peças protéticas e como podemos evitar esse transtorno.

1º motivo

Não encaixar adequadamente a cabeça da chave protética na cabeça do parafuso de fixação. Isso pode levar ao espanamento da cabeça do parafuso e consequentemente a uma intercorrência protética de dificuldade de reaperto e torqueamento dos parafusos.

Figura 1 – Em A, temos a cabeça da chave hexagonal de 1.2 que deve encaixar adequadamente na cabeça do parafuso; em B, a chave Torx que deve encaixar adequadamente na cabeça do parafuso.

2º motivo

Presença de contato oclusal prematuro ou prematuridade. Isso pode levar a uma sobrecarga da peça protética instalada e, consequentemente, levar ao afrouxamento ou fratura dos parafusos de fixação. Esse problema é chamado de tensão de oclusão ou desajuste oclusal.

Figura 2 – Nas imagens notamos duas peças em articulador com pequeno desajuste oclusal e, caso isso se mantenha errado, o parafuso de fixação do componente Base-T poderá afrouxar pelo contato prematuro ou prematuridade. É de suma importância que o profissional dê especial atenção quando um trabalho chega do laboratório para que analise cuidadosamente a peça no modelo de gesso ou modelo impresso antes de levar à boca do paciente para avaliar a adaptação, pontos de contato, oclusal etc.

3º motivo

Ausência de adaptação passiva da estrutura junto ao implante ou ao pilar intermediário instalado, o que vai gerar uma tensão de instalação da peça protética e, consequentemente, uma possibilidade de afrouxar o parafuso ou até mesmo de fratura. Esse fato ocorre principalmente em estruturas múltiplas.

Figura 3 – Nas imagens temos uma estrutura metálica desadaptada que requereu o corte pra soldagem e adaptação passiva da peça. Sem esse procedimento, poderia haver sobrecarga do parafuso, soltura, fratura e até mesmo uma perda óssea peri-implantar.

4º motivo

O uso de componentes calcináveis, principalmente os de plástico sem a base de cobalto-cromo, cujo processo de fundição não foi executado adequadamente, poderá causar falta de adaptação, sobrecarga do parafuso e, consequentemente, um possível afrouxamento do mesmo, além de possível oxidação do metal fundido.

Figura 4 – Em A, temos um esquema de pilar UCLA calcinável de plástico para implante de hexágono externo, que foi encerado e fundido. Atenção total para o processo de fundição laboratorial para que o componente obtido não tenho liberdade rotacional que poderá sobrecarregar o parafuso de fixação. Em B, temos os três tipos de pilar UCLA para o implante de hexágono interno: os profissionais devem dar atenção e preferir os que apresentam a base de metal.

5º motivo

Não respeitar o torque de fixação de cada componente ou de cada parafuso protético recomendado pelo fabricante. Isso poderá ocasionar soltura do parafuso ou até mesmo fratura, caso o torque seja excedido pelo profissional.

Figura 5 – Em A, temos um implante cônico de conexão de hexágono externo com seu respectivo pilar Ideale; em B, temos o implante Veloce de conexão Cone Morse. Em ambos os casos devemos respeitar o torque do fabricante de 30Ncm, além de verificar a calibração adequada dos torquímetros.

6º motivo

Usar uma prótese múltipla com extensivo “cantilever” (vão suspenso ou sem apoio de implantes), poderá causar sobrecarga dos parafusos de fixação e causar o afrouxamento ou fratura dos componentes. Em casos mais avançados podemos observar uma perda óssea dos implantes que pode levar à perda da osseointegração.

Figura 6 – Observem nas imagens que o “cantilever” (representado pela porção distal da prótese protocolo que está suspensa) respeita biomecanicamente as forças de potência e resistência do sistema, o que possivelmente não trará inconvenientes de solturas ou fraturas dos parafusos.

7º motivo

Não usar componentes entre a estrutura de zircônia e o pilar intermediário, que na Implacil Osstem chamamos de Base-T. Quando o profissional não procede dessa forma, poderá ocorrer fratura da peça/estrutura em zircônia e/ou afrouxamentos frequentes do parafuso de fixação da peça. Uma forma de se evitar essa intercorrência é cimentar a estrutura ou peça protética sobre o componente chamado Base-T, conforme ilustrado nas imagens abaixo.

Figura 7 – Temos aqui os componentes Base-T, cuja estrutura da prótese protocolo de zircônia foi cimentada sobre eles e, dessa forma, o parafuso de fixação não entrará em contato com a zircônia, e sim com esse link metálico. Isso irá evitar as solturas dos parafusos e eventuais fraturas da estrutura protética.
Figura 8 – Temos em A, B, C e D exemplos de estruturas de zircônia que foram confeccionadas sem o link de ligação entre o pilar intermediário e a peça protética. Isso pode levar ao afrouxamento dos parafusos e até uma fratura da peça protética, principalmente de peças múltiplas.

Conclusão

A maioria das intercorrências de afrouxamento de parafusos e suas fraturas podem ser evitadas pelos profissionais observando os seguintes aspectos listados abaixo:

a) encaixar adequadamente a cabeça das chaves protéticas na cabeça dos pilares e parafusos de fixação;

b) atenção especial à tensão de oclusão, ou seja, manejo adequado do ajuste dos contatos prematuros e principalmente em relação aos movimentos de lateralidade e de protrusão;

c) análise da correta adaptação passiva das infraestruturas, pois esse motivo irá levar a uma tensão de instalação que futuramente irá sobrecarregar os implantes causando uma possível saucerização, afrouxamento dos parafusos e eventualmente fratura dos mesmos;

d) cuidado com o uso de pilares calcináveis, pois poderá ocorrer um grau de liberdade do componente em relação ao implante, e isso irá sobrecarregar os parafusos de fixação. Em adição, uma prova e análise prévia das peças antes de levarmos em posição na boca do paciente evitará vários transtornos de adaptação, oclusão e pontos de contato em relação aos dentes adjacentes;

e) seguir as recomendações dos fabricantes quanto ao torque requerido pelos pilares e parafusos, assim como realizar a calibração do torquímetro protético;

f) respeito às regras de biomecânica para não ultrapassar os limites fisiológicos em relação às próteses suspensas ou “cantilevers”, principalmente das próteses do tipo protocolo;

g) usar componentes do tipo link de conexão chamados na Implacil Osstem de Base-T, para evitar que o parafuso metálico entre em contato com a zircônia, mas com um batente de metal do link.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1- Karabuda C, Yaltitik M, Bayrakta M. A Clinical Comparison of Prosthetic Complications of Implant-Supported Overdentures With Different Attachment Systems. Implant Dentistry / volume 17, number 1 2008.

2- Lourenço SV, Morano Jr M, Daruge Jr E. Complicações cirúrgicas e protéticas em implantodontia. Rev. Odonto Ciênc., Porto Alegre, v. 22, n. 58, p. 352-358, out./dez. 2007.

3- Sailer I, Karasan D, Todorovic A, Ligoutsikou M, Pjetursson BE. Prosthetic failures in dental implant therapy. Periodontol 2000. 2022 Feb; 88(1): 130–144. Published online 2022 Feb 1. doi: 10.1111/prd.12416.

4- Verma A, Singh SV, Arya D, Shivakumar S, Chand P. Mechanical failures of dental implants and supported prostheses: A systematic review. J Oral Biol Craniofac Res. 2023 Mar-Apr; 13(2): 306–314. Published online 2023 Mar 3. doi: 10.1016/j.jobcr.2023.02.009.